reportagem especial

VÍDEO: a incessante e inglória busca por sócios nos clubes do Interior

Leonardo Catto

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Fotos: Eduardo Ramos (Diário)

Não há nada menos vazio que um estádio vazio. A frase é conhecida, de autoria do escritor uruguaio Eduardo Galeano. Depois de muito vazio, os estádios puderam voltar a receber público em meados do ano passado. Foi mais fácil, contudo, ver Maracanãs, Arenas e Beira-Rios se encherem. A dificuldade maior era observar o público preencher os espaços de Presidentes Vargas ou Sílvios de Faria Corrêa. Os clubes do interior, e isso inclui os da região central do Rio Grande do Sul, têm orçamento estritamente ligado à bilheteria.

Inter-SM, Riograndense e São Gabriel são os clubes da região que buscam manter e conquistar mais sócios. O apoio dos torcedores é essencial para a geração de receita, manutenção de serviços e pagamento de contas.

As jogadas que os clubes ensaiam para manter o torcedor presente e, ainda mais, associado passam por estratégias diferentes. Todas, porém, convergem na fidelidade do sentimento de cada um pela instituição e o futebol. A lógica é a mesma dita por um personagem do filme argentino O Segredo dos Seus Olhos sobre um torcedor do Racing: "é possível mudar de cara, de casa, de família e religião. Mas não se pode mudar de paixão".


NA PONTA DO LÁPIS 
Quem assume um clube no interior costuma estar ciente das dificuldades. Na região, são três os times profissionais que batalham o orçamento.

Dois deles, Inter-SM e São Gabriel, disputam a Série A2 do Campeonato Gaúcho, chamada Divisão de Acesso. E sabem que o torcedor é parte importante nas finanças. O terceiro, o Riograndense, está licenciado do futebol profissional desde 2017, mas sempre com planos de voltar. O que impede o retorno é o que também não possibilitou o público comparecer a jogos nos Eucaliptos: a infraestrutura do estádio.

Cada um tem uma realidade singular. Seja por não ter competições a disputar, seja por campanhas que ficam "no quase", ou ainda por uma sequência de campeonatos ruins. Todos, contudo, compartilham da mesma disputa: manter o clube em funcionamento.

INTER-SM 
O Alvirrubro bateu na trave do acesso para a elite do futebol gaúcho duas vezes nos últimos cinco anos. Foram nas semifinais contra São Luiz de Ijuí, em 2017, e Pelotas, em 2018, que o torcedor mais chegou próximo da lotação de 6,5 mil pessoas do Estádio Presidente Vargas.  data-filename="retriever" style="width: 100%;">

A sequência de 2019 a 2021 não foi satisfatória. Primeiro, foi uma briga para não cair. Em 2020, o campeonato não seguiu devido à pandemia. Na última edição, faltou uma vitória para classificar para a próxima fase.

Ainda assim, o número total de sócios cresceu nos últimos anos. Hoje, são cerca de 750. O problema é que apenas 200 se mantêm em dia com as mensalidades. Além dos resultados, a pandemia foi um desafio, na análise do presidente do clube, Jauri Schneider Daros. 

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- Dois anos de pandemia, um ano e meio praticamente sem futebol. Infelizmente, muitos deixaram de pagar. Neste momento, o sócio está inadimplente com o clube. Se ele não cancelar, fica valendo e é pior. Os sócios em dia mantêm o clube aberto e nos dão a oportunidade de pagar as contas do mês. Sem a mensalidade, fica difícil. Sempre tem algo a pagar - lamenta.

Na gestão de Jauri, que vai até o final de 2023, há uma ambição por melhorias de infraestrutura na Baixada Melancólica. No dia em que a reportagem foi ao estádio, serviços de manutenção eram feitos além das quatro linhas. Essas obras, muitas vezes, são bancadas com material doado por empresas e torcedores.

A estimativa é que as mensalidades em dia representam 25% do orçamento total do clube. O restante é complementado com patrocínios e ações como o Galeto e o Risoto Alvirrubro. Essa última tem por volta de mil pratos vendidos por mês, cujo valor é principalmente voltado para pagar os funcionários de manutenção.

Recentemente, há ainda a renda advinda das transmissões de jogos pela TV da Federação Gaúcha de Futebol (FGF). Segundo a presidência, cerca de 80% do arrecadado vai para o clube. A expectativa é que 10 mil torcedores possam colaborar desta forma. O pacote com todos os jogos do Inter-SM custa R$ 49,90.

- Se 10 mil pessoas se inscrevessem na federação para assistir aos jogos do Inter-SM, poderíamos arrecadar de R$ 500 mil a quase R$ 800 mil - projeta o presidente.

O caminho para aumentar a receita e angariar mais sócios-torcedores é o marketing, conforme aponta Jauri.

- Em 2017, fizemos um marketing mais aguerrido, demos resultado. A partir dali, deixamos a desejar. Vamos com tudo neste ano para colher frutos, receber o máximo de valores - avalia.

O gasto com a Divisão de Acesso varia de R$ 500 mil a R$ 600 mil. A expectativa da direção é contar com torcedores e resultado dentro de campo para "virar a situação".

PLANOS DE SÓCIOS DO INTER-SM
Torcedores

  • Arquibancada: R$ 20 por mês
  • Pavilhão B:  R$ 35 por mês
  • Cadeira Cativa:  R$ 50 por mês

Conselheiros

  • Ouro (4 cadeiras) - R$ 200,00 por mês ou R$ 2400 por ano
  • Prata (2 cadeiras) - R$ 130 por mês ou R$ 1.560 por ano
  • Bronze (1 cadeira) - R$ 70 por mês ou R$ 840 por ano
  • *Taxa única de R$10,00 para a confecção da carteira em todas as modalidades

RIOGRANDENSE 
Como conquistar novos sócios-torcedores sem futebol profissional? É o desafio do Periquito. Desde 2017 sem disputar competições, o Riograndense mantém apenas a base. Atualmente, a direção afirma que o clube não tem dívidas, mas somente com mais associados que poderia voltar ao patamar profissional.

- Além da falta de sócios, para voltar o futebol, temos a liberação do estádio. Recebemos uma nova vistoria, algumas coisas ainda não estão nos conformes. Vamos tentar fazer o que falta. Um dos problemas é a rua (de acesso ao estádio), que não é asfaltada. Vamos ter que asfaltar, o que não é muito fácil. Estamos empenhados para que as pessoas se associem e deem um prazo de um ano para fazer essas propostas e chegar ao futebol profissional - explica a presidente Maria de Lourdes Pinto Trindade, sobre as adequações necessárias no Estádio dos Eucaliptos para poder receber jogos. data-filename="retriever" style="width: 100%;">

Quando assumiu, a Lourdinha, como é conhecida, teve apoio dos cerca de 40 conselheiros. Foi preciso pagar R$ 6 mil para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a FGF para poder inscrever atletas da base em torneios neste ano. No começo da gestão, essa dívida chegava a R$ 25 mil. 

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Em caso de necessidade de socorro financeiro, eles apoiam. Atualmente, contudo, o clube consegue manter as contas que tem.

- No nome do Riograndense, não tem dívida - conta a presidente.

Além do aluguel da quadra de futebol 7 para jogos, o clube também arrecada com o Galeto do Periquito, feito mensalmente e com os sócios atuais.

QUADRO SOCIAL
O Riograndense tem hoje 43 sócios ativos e cerca de 50 inativos. A projeção, para retomar o futebol, é de 3 mil. A corrida para isso é uma busca ativa.

- Nós contratamos uma pessoa para procurar as pessoas e ver se têm interesse de se associar. O clube tem que ser sustentável. Se não tivermos, não tem como participar do futebol profissional. Uma arrecadação para garantir obrigações com os atletas - diz a presidente.

A estratégia vai no sentido de resgatar a "herança ferroviária" dos santa-marienses que podem se identificar com a história da cidade e do Riograndense. Mas isso não é limitador. O foco também será outras regiões além da zona norte de Santa Maria. Ainda há expectativa sobre a efetividade da busca ativa.

PLANOS DE SÓCIOS DO RIOGRANDENSE

Torcedores

  • Individual - R$ 30 por mês
  • Família (um associado, um dependente maior de idade e três com menos de 18 anos) - R$ 50 por mês
  • Conselheiro - R$ 100 por mês

SÃO GABRIEL 
O time que representa a Terra dos Marechais teve um retrospecto negativo nos últimos cinco anos na Divisão de Acesso. De 2017 a 2021, o Sanga não se classificou para o mata-mata. Na última edição, foi um quase rebaixamento, evitado nos tribunais do esporte. Assim como no Inter-SM, é avaliado pela presidência que os resultados afetam a participação do torcedor. Dos 150 sócios, apenas 30 estão em dia. data-filename="retriever" style="width: 100%;">

- Esse ano tentamos fazer campeonato o ano todo. Não tem atrativo para o torcedor (sem isso). Imagina que, de janeiro a dezembro, dá R$ 360, para olhar sete jogos? Agora, com Copinha e torneio de base, pode ser um atrativo a mais - planeja o presidente de primeira viagem, Arthur de Barros.

O mandatário é um dos fundadores da Fúria Jovem, torcida organizada do São Gabriel. Com conhecimento da arquibancada, um dos planos da gestão, que ainda está no começo, é valorizar o sócio.

- Queremos fazer o ingresso um pouco mais caro para valorizar o sócio. Não adianta pagar R$ 30 por mês e o ingresso ser R$ 10. Queremos garantir, para o sócio, desconto em farmácia, posto... Não é fácil. Vamos começar a organizar e focar. Nossa ideia é buscar 200 sócios em dia - conta.

O número não é aleatório. Apesar de novato na administração, Arthur faz os cálculos com experiência de quem conhece o Sílvio de Faria Correa.

- Tem custo no clube o ano todo. Precisamos. Tem custo o ano todo. 200 sócios em dia nos daria R$ 6 mil por mês. Não dá uma folha de pagamento, mas quase - projeta o sucessor do lendário dirigente gabrielense Roque Hermes.

CAMINHO
Arthur é categórico ao apontar o que leva o torcedor ao estádio e a se associar ao clube. Para ele, o time tem que entregar resultado. A solução de qualificar o futebol para ter apoio do público é clichê no esporte, mas "em São Gabriel é diferente''.

- O principal é o time bom. Em tudo que é lugar, mas parece que em São Gabriel é mais. Ganhou fora? 1,5 mil pessoas aqui. Empatou fora? 700. Perdeu? 300. É time bom (a resposta) - crava.

Um dado a lamentar pela direção são as campanhas em casa, que não dão alegria ao torcedor do Sanga que vai ao Sílvio de Faria Corrêa. Em 2021, foram sete jogos em São Gabriel pela A2, e apenas três vitórias.

ENGAJAMENTO
A busca pelo melhor futebol possível passa pela organização. O presidente Arthur de Barros destaca que, ainda em novembro, foi acertado com o técnico Sananduva, ex-Inter-SM, para o começo da montagem do elenco que disputará a Divisão de Acesso a partir de março. É importante que o time seja sólido, sem necessidade de reposição ou rompimentos com atletas.

- A chance de erro tem que ser mínima. Não podemos pagar rescisões, não se pode errar - comenta.

O engajamento por parte do torcedor também cresce. Segundo Arthur, o São Gabriel une torcedores da dupla Gre-Nal sem receio, quando os resultados vão bem.

- Assumimos no final de novembro e já vendemos 300 camisetas. Quase caímos e estamos vendendo - diz Arthur.

O São Gabriel permaneceu na Série A2 por escalação irregular de atletas pelo Bagé. O time do sul do Estado foi punido, perdeu pontos e foi rebaixado para a Terceirona Gaúcha.

PLANOS DE SÓCIOS DO SÃO GABRIEL

  • Sócio-torcedor - Acesso individual a todos os jogos por R$ 30 por mês
  • Plano família - Quatro acessos a todos os jogos por R$ 50 por mês

PAIXÃO DA ARQUIBANDA 
É o sentimento que leva o torcedor a apoiar os clubes. Mesmo com o futebol licenciado, o empresário e músico Evandro Zamberlan, 51 anos, mantém o vínculo com o Riograndense.

- Tenho um vínculo com o Riograndense desde criança, quando meu pai me levava para assistir os jogos. Portanto, sou torcedor desde a infância e sócio há muito tempo, mantendo sempre em dia a mensalidade, pois esta é uma forma de ajudar o clube nas despesas de manutenção e nas benfeitorias, que sempre despendem valores elevados - conta ele, que já ocupou cargos diretivos e é o compositor do hino do Periquito (o hino em homenagem ao clube foi gravado com outros artistas). data-filename="retriever" style="width: 100%;">

Mas somente amor não enche barriga. Ou, neste caso, paga mensalidade. O funcionário público Nelson Leal de Souza, 57 anos, lamenta não ter reposição salarial há cinco anos. Durante a pandemia, ele teve de deixar de pagar as mensalidades, mas não deixou de apoiar.

- Em 2020, colaborei com o clube comprando ingressos virtuais. Já em 2021 fui a todos os jogos pagando ingresso, mas não mais como sócio - conta ele, que foi sócio entre as décadas de 1980 e 1990 e depois entre 2018 e 2020.

Ele era torcedor do Inter de Porto Alegre, mas em 1978 foi à Baixada pela primeira vez. A partir dali, aos 14 anos, se converteu de colorado para alvirrubro.

- Infelizmente, não sou mais sócio, mas sigo sendo torcedor fanático do clube - conclui.

FÚRIA DE TORCEDOR
O taxista Osvino Lima Pereira, 60 anos, é sócio desde 2020, mas torce pelo São Gabriel desde a década de 1970. Pensando em ajudar nas contas do clube, virou sócio.

- É o amor ao São Gabriel. Isso que estamos vestindo é um manto. Eu sou gremista, mas se hoje vem o Grêmio jogar aqui... já veio, torci para o São Gabriel - conta.

O trabalho de Osvino também é com a cooptação. O neto de 13 anos é uma companhia que leva ao estádio para acompanhar os jogos. O avô define como "torcedor" o adolescente que também joga na escolinha do clube.

A esposa também faz parte. Osvino é conselheiro do clube e, em uma noite de sexta-feira de janeiro, quando a chuva estava ainda mais escassa na região, o "encontro" do casal foi "aguar" o gramado do Sílvio de Faria Correa.

- Vivemos juntos há 12 anos. Fizemos um chimarrão e viemos aqui. Chove em toda volta e aqui não. Ela também é torcedora do São Gabriel - diz ele.

Antes da entrevista, Osvino queimou três cigarros enquanto a reportagem do Diário conversava com o presidente do clube. O hábito é mantido, mesmo com a vontade de parar e com problemas de pressão. A enfermidade, contudo, ele atribui à emoção de torcer para o Sanga.

- Isso vem de anos. Na hora, a gente quer ganhar. Em casa, não podemos perder. Tínhamos tradição. Até o Palmeiras perdeu para nós aqui. A partir desse ano, dentro do nosso campo, ninguém pode nos ganhar - projeta.

A pressão de Osvino será repassada aos jogadores quando ele estiver, em todos as partidas, agarrado na grade atrás do gol a partir de março, quando começa a Divisão de Acesso.

Inserir sócio no cotidiano do clube é atraente além das quatro linhas
O momento de 2022 é compreendido com a necessidade de retomar receitas que se enfraqueceram na pandemia. A análise é de Ramon Bisson Ferreira, executivo de futebol do XV de Novembro de Piracicaba, de São Paulo, e professor convidado da Escola de Gestão da CBF Academy.

- O futebol neste momento, podendo chamar de pós-pandemia, a pandemia com restrições, precisa retomar receitas que pararam. O quadro social varia muito de acordo com a campanha do clube, qual competição ele está disputando, qual divisão vai disputar no próximo ano. As projeções têm que estar previstas em orçamento. Os valores vão ser variáveis, são inúmeros fatores que vão fazer esses valores aumentarem ou diminuírem - explica.

A realidade do interior de São Paulo é outra. A Série A2 paulista chega a ser mais competitiva e, portanto, de maior visibilidade que alguns torneios estaduais de primeira divisão. Contudo, há estratégias que funcionam por lá e podem ser aplicadas em outros locais.

- Os clubes têm que se preocupar em fazer ações diferentes. Para os clubes do interior, principalmente, as redes de vantagem. Os torcedores, sendo sócios, conseguem ter um retorno financeiro da contribuição. E algo que está extremamente em voga é a experiência. O sócio-torcedor ter experiências únicas é um fator que atrai muito, e pode ser feito sem custo. A gente está acostumado a trabalhar no dia a dia com o atleta, aquele ídolo. E para o torcedor pode ser algo distante. Pode aproximá-lo, colocar o torcedor no camarote em algum jogo. São ações que ajudam a manter o sócio e trazer novos. São questões extracampo em que o gestor tem que estar ligado - sugere Ramon.

Na capital gaúcha, o Inter prevêR$ 70.273.826 de arrecadação com o quadro social para o orçamento de 2022. O clube fechou o ano de 2021 com 96.762 associados. Desses, 16,9% estão inadimplentes. Em dia, estão 80.405.

Já o Grêmio prevê R$ 51.586.419 de arrecadação com sócios. O total de receita projetado é de R$ 305.327.217. O levantamento mais recente de associados foi divulgado em outubro, com 64 mil torcedores.

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